quinta-feira, 20 de maio de 2010

O amor...

"...O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome."







"...O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte."



Trecho da obra "os três mal amados" de João Cabral de Melo Neto.

3 comentários:

Lia Araújo disse...

Menina que coisa linda!
Não conhecia o texto!
Lindo de mais!
Angustiante, mas lindo demais!

bjos querida

Jagganatha disse...

"...O cíume comeu todos os minutos, todos os dias, todos os anos de meu relógio,
Comeu o futuro, o passado e o presente . Comeu todas minhas viagens em volta da terra.

O cíume comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha cabeça, meu medo da vida."

disse...

Eu também não conhecia o texto, mas achei super profundo, me fez pensar, me fez querer viver.